terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Amor sem limites



Era segunda-feira e o sol atribuía um brilho irritante à lataria dos carros, em fileiras de congestionamento que iam além do que Marcos conseguia enxergar pelo retrovisor.

O relógio digital afixado no painel do seu furgão, mostrava que era pouco mais de 17 horas e, mesmo encurralado pelo caótico trânsito de São Paulo, o homem acompanhava as ondas do rádio e esboçando um sorriso malicioso no rosto, cantarolava uma melodia country.

Sua felicidade não era em vão. A “colheita” tinha sido proveitosa. Seu coração palpitava. Sua excitação era desenfreada e regada por maldade. Marcos era, sem sombra de dúvidas, um homem de gostos excêntricos.

Quando a escuridão tomou conta dos céus, finalmente chegou à sua casa, herança do falecido (e ligeiramente milionário) pai. Com um toque em seu iPhone, acionou o portão eletrônico e, em seguida, estacionou o veículo.

O portão fechou-se alguns instantes depois, acompanhado por um baque seco.

Ainda dentro do carro, esperou em silêncio por alguns minutos. Achava que  o que estava para ser feito era parte de um plano genial e requeria, para que aproveitasse todas as etapas por completo, calma. Afinal, o que seria do artista sem o seu processo de produção?

Em passos lentos, foi até a frente do porta-malas e o abriu. Seus olhos brilharam. Sua respiração foi interrompida por alguns segundos.

Marcos havia raptado duas irmãs gêmeas, que aparentavam ter menos de quatro anos de idade. Elas vestiam saias azuis e o tule que ornamentava as peças, tremia junto aos seus corpos, delicados, frágeis e apavorados. O choque que tiveram ao se darem conta de que haviam sido raptadas, fez com que ficassem mudas, mas seus olhos verdes e pequenos,  gritavam por socorro.

Após levá-las ao porão de sua mansão e deixá-las desemparadas ao lado de uma maca de metal, vestiu um avental branco, tinto por sangue já seco e colocou um disco de jazz para tocar em sua vitrola, já enferrujada pelo tempo.

O ar cheirava a medo.

Virou-se às garotas e, com um olhar profundo, deu início ao trabalho. Uma serra elétrica tornou-se sua companheira no crime.

O trabalho não demorou até ser finalizado. Marcos enxugou o suor que aglomorou-se em sua testa com o auxílio da manga de sua camisa e após limpar e guardar a ferramenta que utilizou, contemplou o seu resultado. As gêmes foram cruelmente (mas cuidadosamente) esquartejadas. O sangue inundava o chão e a morte tomava conta do porão.

Retirou o avental e com passos sedutores, foi até uma grande jaula localizada ao lado esquerdo do porão. O único som que agora quebrava a escuridão fúnebre do local, era de um relógio cuco suíço pregado à parede.

- Boa tarde, meu amor. Trouxe algo especial para o seu jantar.

Carlos estava preso naquela gaiola há cerca de três semanas. Pelo desejo do assassino, a carne humana tinha se tornado seu principal alimento. O prisioneiro ergueu o rosto com certa dificuldade e cerrou os olhos até focalizar Marcos. O tempo que passou ali, fez com que a vida esvaísse de si. O seu corpo, que outrora fora uma fonte de beleza (e de suspiros de homens e mulheres), estava agora, esguio. A esperança de novamente ter uma vida era remota. Carlos havia se conformado com o desterro.

Marcos deixou alguns pedaços da carne ao lado da jaula, de modo que seu amigo de faculdade pudesse alcançar e, com uma alegria incomum, colocou outro disco para tocar. Precisava comemorar a sua vitória. A arte era muito importante e deveria permear todas as suas ações.

O preço que Carlos pagaria por não ter aceitado a paixão incondicional de Marcos, era a sua própria vida, isolada na escuridão e com a companhia da podridão.

Ninguém poderia dizer um não a Marcos. Ninguém poderia contê-lo. E, à partir deste momento, ninguém poderia fugir da maldade ainda maior que estava por vir.

Por: Édson Luís

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