
O relógio digital afixado no painel do seu furgão, mostrava que
era pouco mais de 17 horas e, mesmo encurralado pelo caótico trânsito de São
Paulo, o homem acompanhava as ondas do rádio e esboçando um sorriso malicioso
no rosto, cantarolava uma melodia country.
Sua felicidade não era em vão. A “colheita” tinha sido
proveitosa. Seu coração palpitava. Sua excitação era desenfreada e regada por
maldade. Marcos era, sem sombra de dúvidas, um homem de gostos excêntricos.
Quando a escuridão tomou conta dos céus, finalmente chegou à
sua casa, herança do falecido (e ligeiramente milionário) pai. Com um toque em
seu iPhone, acionou o portão eletrônico e, em seguida, estacionou o veículo.
O portão fechou-se alguns instantes depois, acompanhado por
um baque seco.
Ainda dentro do carro, esperou em silêncio por alguns
minutos. Achava que o que estava para ser
feito era parte de um plano genial e requeria, para que aproveitasse todas as
etapas por completo, calma. Afinal, o que seria do artista sem o seu processo
de produção?
Em passos lentos, foi até a frente do porta-malas e o abriu.
Seus olhos brilharam. Sua respiração foi interrompida por alguns segundos.
Marcos havia raptado duas irmãs gêmeas, que aparentavam ter
menos de quatro anos de idade. Elas vestiam saias azuis e o tule que
ornamentava as peças, tremia junto aos seus corpos, delicados, frágeis e
apavorados. O choque que tiveram ao se darem conta de que haviam sido raptadas,
fez com que ficassem mudas, mas seus olhos verdes e pequenos, gritavam por socorro.
Após levá-las ao porão de sua mansão e deixá-las desemparadas
ao lado de uma maca de metal, vestiu um avental branco, tinto por sangue já
seco e colocou um disco de jazz para tocar em sua vitrola, já enferrujada pelo
tempo.
O ar cheirava a medo.
Virou-se às garotas e, com um olhar profundo, deu início ao
trabalho. Uma serra elétrica tornou-se sua companheira no crime.
O trabalho não demorou até ser finalizado. Marcos enxugou o
suor que aglomorou-se em sua testa com o auxílio da manga de sua camisa e após
limpar e guardar a ferramenta que utilizou, contemplou o seu resultado. As
gêmes foram cruelmente (mas cuidadosamente) esquartejadas. O sangue inundava o
chão e a morte tomava conta do porão.
Retirou o avental e com passos sedutores, foi até uma grande
jaula localizada ao lado esquerdo do porão. O único som que agora quebrava a
escuridão fúnebre do local, era de um relógio cuco suíço pregado à parede.
- Boa tarde, meu amor. Trouxe algo especial para o seu
jantar.
Carlos estava preso naquela gaiola há cerca de três semanas.
Pelo desejo do assassino, a carne humana tinha se tornado seu principal
alimento. O prisioneiro ergueu o rosto com certa dificuldade e cerrou os olhos
até focalizar Marcos. O tempo que passou ali, fez com que a vida esvaísse de
si. O seu corpo, que outrora fora uma fonte de beleza (e de suspiros de homens
e mulheres), estava agora, esguio. A esperança de novamente ter uma vida era
remota. Carlos havia se conformado com o desterro.
Marcos deixou alguns pedaços da carne ao lado da jaula, de
modo que seu amigo de faculdade pudesse alcançar e, com uma alegria incomum,
colocou outro disco para tocar. Precisava comemorar a sua vitória. A arte era
muito importante e deveria permear todas as suas ações.
O preço que Carlos pagaria por não ter aceitado a paixão
incondicional de Marcos, era a sua própria vida, isolada na escuridão e com a
companhia da podridão.
Ninguém poderia dizer um não a Marcos. Ninguém poderia
contê-lo. E, à partir deste momento, ninguém poderia fugir da maldade ainda
maior que estava por vir.
Por: Édson Luís
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