quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Roxo, Lilás e Violeta - Parte I




Toda família tem sua ovelha negra. Não adianta esconder, nem disfarçar, porque ela é onipresente em todas as árvores genealógicas. No caso, a ovelha é minha irmã. E eu sei que é praticamente impossível impedir que uma ovelha negra se destoe do "rebanho", mas o meu casamento não estaria completo sem minha irmã Nielly.

São poucos eventos que conseguem reunir tudo o que mais desgosto numa só edição. E o casamento é um clássico deles. Uma hora de discurso cristão? Dispenso, sou hindu. Um bolo cheio de corante e açúcar? Não, eu tenho amor ao meu organismo. Tias, avós e tias-avós que se acham no direito de cuidar da sua vida? Obrigada, eu passo. Mas eu sou capaz de abstrair tudo isso pela minha irmã.

Há quase seis anos não vejo minha filha Nielly. Seus ideais subversivos a levaram a abandonar sua família no Brasil e partir para o Japão sem nem me avisar. Mas cinco anos mexem muito com a sua cabeça, suas opiniões, seus conceitos, e eu não queria minhas filhas separadas nesse momento tão importante que é o casamento de minha filha Patrícia. 

Ufa! Finalmente no Brasil e finalmente na sala de desembarque. Este pessoal da alfândega sempre enquadra quem foge do senso-comum. Acho engraçado ver minha mãe me procurando do lado de fora. Eu mudei muito, fazer caratê me deixou bem musculosa, meu cabelo agora é roxo, estou mais pálida (o verão japonês não é como o verão nordestino)...chegou minha bagagem. Saio da sala com o sorriso mais carismático que alguém que viajou 19 horas pode fazer.

No aeroporto transitam milhões de pessoas de todos os tipos, dos mais grotescos aos mais elegantes. Olha só, por exemplo, aquela menina: o corpo todo desproporcional, parece homem de tão grande, os cabelos cor de Fanta Uva...agora está se virando pra cá, que estranho, olhou pra mim, abriu um sorriso...espera um pouco, é a Nielly!!??!??!?

"Meu Deus, olha o que 19 horas de voo podem fazer com uma pessoa, mamãe!!" - nada como a ironia para suavizar esses momentos. O sorriso da minha irmã se transforma numa cara amarga; ela me dá um tapa e me manda calar a boca, eu revido o tapa, mas erro e ela ri. "É incrível como vocês não mudam! Parecem crianças!" - nessa hora eu e Nielly olhamos para mamãe. Começamos a rir, primeiro só nós duas, depois todas nós. Uma epifania tomou conta da atmosfera e percebemos ali que, não importavam as crenças, ideais ou aparências. O amor que sentíamos continuava dentro de nós.


Por Julia Brunken

Profa. Ana Salles

Queridos alunos,

Foi um grande prazer trabalhar com vocês e acompanhar o interesse que foi se desenvolvendo no grupo.

Como vocês mesmo afirmaram, a construção do texto de ficção foi a atividade mais motivadora e, por isso mesmo, achei que seria interessante organizar esta publicação para que todos pudessem ler os contos.

Espero que nosso convívio tenha sido produtivo para todos que freqüentaram as aulas e insisto para que não esqueçam das coisas mais significativas que procurei deixar. Acima de tudo, lembrem-se: estão “fazendo” um curso e isto implica em ser sujeito do processo de aprendizagem. Não façam “tarefa ou lição”, mas criem, elaborem seus trabalhos como preparação profissional.

Acreditem no grande potencial que trazem e aproveitem da experiência e do conhecimento de seus professores. Este tempo não volta mais.
 
Um grande abraço. 

Ana Salles Mariano

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A história de Pablo


Desde a morte de sua mãe, há mais ou menos dois invernos atrás, Pablo havia perdido toda sua confiança e esperança na sociedade em que habitava. Aquele suicídio mal explicado havia levado junto não apenas seu porto-seguro, mas também seu lar e sua única mantenedora.
            O tempo havia se passado, porém aquela ferida que se abrirá internamente no seu corpo ainda não havia cicatrizado.
            Era véspera de mais um inverno em Florianópolis, e com ele chegava o desespero para o garoto. Passar aqueles gélidos meses nas ruas novamente ia ser sombrio e pesado.
Pablo até havia conseguido alguns abrigos para ficar desde que perdeu seu único familiar conhecido vivo. Porém sua rebeldia e sua obsessão por liberdade – embora não soubesse ao certo o que essa palavra significava – o fazia fugir desses abrigos e rejeitar ajuda de outros. Dia sim, dia não, o menor de idade ia aos cruzamentos das avenidas principais da cidade, para conseguir algum pouco sustento que lhe servisse para comprar algo que suprisse suas necessidades fisiológicas. Porém, já fazia alguns meses que esse mínimo dinheiro que ele conseguia tinha outro destino. As drogas.
Era uma fria noite junina na capital catarinense, e como de costume o garoto perambulava pelas ruas em busca de algum dinheiro para lhe dar sustento e acesso às drogas, que lhe reconfortavam e lhe davam prazer. Mesmo que pouco.
No entanto, aquele frio de quebrar o queixo o fez parar na porta de um restaurante de esquina num bairro luxuoso da cidade. A porta estava aberta, e o entra e sai de pessoas gerava um bafo quente, que até certa medida estava o aquecendo, e fazendo com que por ali ele ficasse durante um tempo.
Pablo, já não ligava mais para o desgosto com que as pessoas o olhavam, sua pequena felicidade com aquele calor já bastava. Ele sabia que não era bem visto ali, então aproveitava ao máximo aquele conforto antes que alguém o tirasse dali.
Subitamente então, sem ao menos pedir para que ele ir embora, um brutamonte de pele escura, de uns dois metros de altura começou a espancar o pobre garoto. No terceiro murro, que pego no seu supercílio, ele já estava quase desmaiado. Foi quando começou a pensar, o que leva o segurança de um estabelecimento bater em um indigente, só por que ele não combinava com as pessoas do local, sendo que se esse próprio segurança estivesse passando por ali em seu dia de folga, ia ser tão mal visto pelos clientes do restaurante quanto o próprio garoto.
Foi quando, surgiu um cliente pela porta e começou a contestar e empurrar o segurança o chamando de diversas palavras preconceituosas, o xingando e dizendo que ia o prender por bater em um menor de idade. Neste momento, Pablo não sabia mais de que lado ficar. Do lado do preconceituoso social, ou do lado do preconceituoso racial. Não entendia nada.
Ainda meio zonzo, enquanto ouvia gritos e barulhos de socos, contou até dez, se levantou e cambaleando, tentando ir para o mais longe daquele tumulto.
Quando já estava longe, e pensando a muito tempo no ocorrido, o garoto se deitou, ainda com a face toda ensangüentada, numa sarjeta inteira suja. Preferia ficar mesmo, a só e machucado, do que lutando para se integrar em uma sociedade solitária e doente.

Felipe Lima
NA2

A arte dos encontros

A arte dos encontros

Em uma festa da empresa, regada de muitas bebidas, comidas e músicas. Ali chamava a atenção uma menina de olhar doce e puro, parecia estar um pouco perdida naquela multidão. Ela se chamava Ane, uma menina tímida que chamou a atenção de todos naquela festa.
Ane,acabava de entrar na empresa, por isso poucos a conheciam e na festa se destacou por seu jeito delicado.
Mesmo não se sentido tão a vontade, Ane, tentou se soltar para cair na dança como todos. Foi nesse momento que ela e Paulo se avistaram pela primeira vez. Ele a achou linda, e ela o achou um lindo moreno alto.
Olhares se cruzaram, e a vontade de se conhecerem surgiu, até que Paulo  estava criando coragem para chegar e conversar com Ane, mas foi interrompido por uma ligação de celular.
Uma ligação que resultou na sua partida daquela festa,e o deixou muito perturbado, sem ao menos conversar para pedir o telefone a Ane.
Quando ele saiu de perto, Ane achou que ele poderia ter ido pegar uma bebido ou ido ao banheiro. Mais o tempo passou, e Paulo sumiu.
Depois de horas sem aquele olhar que despertou o interesse de Ane, a festa para ela estava sem graça, tudo que Ane mais queria era reencontrar Paulo.
Aquela menina tímida do começo, se tornou uma mulher determinada a reencontrar aquele cara que despertou todos seus sentidos.
Mais o tempo foi passando, e nada de Ane encontrar Paulo. Até que, aquele lindo moreno alto reapareceu na festa.
Ane, sem cerimônias foi direto conversar com Paulo, que ao primeiro encontro ambos sentiram uma sintonia muito grande. Não demorou para estarem conversando sobre todos assuntos possíveis.
E foi quando Paulo contou o seu motivo de ter saído da festa depois de uma ligação. Era seu irmão Pedro, que havia matado uma pessoa atropelada. Como Pedro é mais novo, a primeira pessoa para quem ele liga é Paulo.
Depois de várias conversas, o casal resolve aproveitar o momento do melhor jeito, aos beijos e abraços.

Nayane Carvalho 


A casa do Espólio




           Ela entrou na sala com a expressão séria. Era sempre assim, do tipo de mulher que tem o gênio forte. Vestia-se bem, respeitosamente, como quem não tolera muita brincadeira. Em contra partida, sua beleza e aparência jovem e bem cuidada fazia com que muitos desejassem vê-la mais descontraída, toda a postura madura e elegante contrastavam com a moça jovem de no máximo 26 anos, magra, e com 1,65 m de altura. Seus olhos castanhos eram penetrantes, seu cabelo preto era liso e descia um palmo abaixo dos ombros, o nariz arrebitado, seus lábios naturalmente pareciam ter sido desenhados por um artista.
Essa era Milena, uma mulher notável, nunca gostou de perder boas oportunidades, desde criança era estudiosa e se tornou cedo uma respeitada jornalista, trabalhava em uma revista americana sobre moda. E em virtude de seu trabalho ela conhecia muitos países, fez a cobertura de diversos eventos importantes. Tornou-se notável e independente até encontrar com Paulo, eles eram velhos amigos, na verdade, um pouco mais que isso. Ele sempre gostou dela e ela dele, mas, isso foi quando estudaram juntos , quando tinham 13 anos de idade e o relacionamento acabou não indo para frente, agora ele era engenheiro, mais maduro e com muitas ideias, o tipo de cara que sabe sempre o que dizer. Sempre que ela estava no Brasil eles se encontravam  e aí café vai, café vem, cinema, beijinhos e quanto mais o tempo passava mais apaixonados ficavam.  O tempo passou e a relação provou ser verdadeira. Surge então o grande dilema, pois construir uma família podia atrapalhar sua carreira.

                Durante muito tempo ela rejeitou completamente a ideia, mas um acontecimento bombástico a fez mudar de ideia, o teste deu positivo, e logo ela seria mãe. Este novo evento colocou Milena diante de uma nova perspectiva e a ideia de arrumar um emprego no Brasil, mais sossegado que seu atual emprego, de repente se tornou atraente e ali estava ela fazendo entrevista em um jornal local do estado de São Paulo. Afim de uma oportunidade de carreira que não fosse tão agitada.
O diretor do jornal tentou bancar o durão na frente da menina durona, porém por dentro estava muito entusiasmado, pois sabia que o nome da repórter Milena em seu jornal seria melhor que muita publicidade. Ele precisava encaixa-la e acabou pedindo para que ela escrevesse uma coluna sobre culturas regionais, sabendo que seu nome traria notoriedade a coluna e um dos primeiros trabalhos era em uma cidadezinha afastada no interior de Minas Gerais, onde as pessoas contavam historias sobre chupa cabras e fantasmas.
Na realidade o tema da reportagem era as lendas que circulavam na região. E havia uma casa na cidade onde morou um senhor velho e autoritário, sem amigos, morreu sozinho e suas coisas ficaram na casa. Os parentes nunca se interessaram em buscar os seus pertences, o fato é que diversas lendas e contos sobre aparições de fantasmas na casa do espólio circulavam na região, a moça resolveu passar uns tempos no local a fim de descobrir alguma coisa.
Ao chegar à cidade todos a receberam bem, mas se mostravam assustados ou fugiam quando ela falava sobre a casa. Cética como era, resolveu passar uns dias na casa com seu marido, e nos três primeiros dias nada aconteceu. A cidade era uma monotonia, alguns rapazes passeavam de motocicletas, as mulheres fofocavam, alguns bêbados contavam histórias tenebrosas, algumas senhoras contavam histórias mais tenebrosas ainda, alguns jovens davam risada das histórias, outros diziam acreditar. As ruas eram de Terra, apenas as avenidas eram asfaltadas, a cidade possuía muitas igrejas, muitos bares, prédios nem pensar. Ao pegar a estrada que levava para o norte percorria-se 20 minutos na estrada de terra sem ver nenhuma casa, pegava-se um desvio tenebroso e irregular, não se podia avançar de carro, mais 20 minutos andando. E ali estava, a casa do espólio onde Milena e Paulo se encontravam. Milena redigindo um texto no se notebook totalmente frustrada, pois sua matéria estava qualquer coisa, menos interessante. Paulo tomava um café fresco que acabara de preparar e jogava videogame enquanto tentava consolar sua esposa com algumas piadinhas sem graça.
Paulo conseguiu um sinal mágico de internet e viu por acidente que havia recebido alguns e-mails,  e descobriu que alguns operários cometeram erros e haviam dois dutos que precisavam ser reparados com urgência, e só ele poderia estar à frente desta operação. Milena não quis nem discutir, deu um beijo e despediu-se do marido. Ficaria sozinha de agora em diante naquele lugar parado.
Paulo queria leva-la consigo.
- Você não pode ficar aqui sozinha.
- Eu sempre fiquei sozinha, meu querido!
- Agora estamos esperando um bebê, é diferente Milena.
- Paulo, isso não significa que eu tenha que ser sua protegida, quero que pare com isso imediatamente. Se você não for vai perder o emprego e não vai dizer que é por minha causa. Vai que eu ficarei bem, você sabe.
Milena abriu a gaveta para que Paulo visse o revolver calibre 22.
- Volto o mais rápido possível!
- Volta sim.
Ao perceber que havia ganhado a discussão Milena abaixou a guarda, abraçou Paulo e o casal se beijou rapidamente. Milena observou seu marido diminuindo na estrada quando sentiu o vento gelado passar pela varanda da casa. Apesar de suas palavras, a sensação que Milena sentiu não era nada boa. Não havia nada nem ninguém com quem pudesse conversar, a casa era bem construída, muito sólida, porém abandonada, a energia elétrica provinha de uma ligação clandestina, talvez por isso nunca tenha sido desativada. Havia mofo por onde quer que se olhasse, pó e moveis velhos. O guarda roupa, a escrivaninha, a mesa, todos antigos. Havia uma varanda em forma de L que passava da frente da casa para o lado direito, a Casa era quadrada, de uns cinquenta metros quadrados, uma sala razoavelmente grande, emendada com a cozinha, um quarto com uma cama de casal e um guarda roupa, e um banheiro. O piso era de taco e rangia quando a pessoa andava. Uma casa velha e assustadora, no meio do nada.
Seria melhor procurar o hotel, porem devido ao horário e ao cansaço Milena resolveu passar mais uma noite na casa.
A noite chegou e a luz era fraca, uma moça e um notebook na sala, o barulho do teclado se destacava mesmo com as músicas tocando razoavelmente altas, e o sons desconhecidos da natureza pareciam ter entrado num padrão. A não ser pelo rangido estranho vindo da Varanda.
Um nó se formou na garganta de Milena, ela instintivamente pegou o revolver na gaveta e saiu para conferir, deu a volta na casa e não havia nada de anormal. Voltou para seu notebook. O medo faz você pensar um milhão de coisas que certamente era só cisma.
De volta a monotonia do “tec tec” enquanto ouvia um canção da banda Eagles, ela quase pegou no sono quando de repente um baque a assustou. A porta do quarto se fechou, ela abriu e sentiu o vento frio vindo da janela. Paulo deve ter esquecido aberta, ela aproveitou para pegar uma blusa na mala.
                A sensação de não estar sozinha era angustiante demais, tinha a impressão de ver olhos na parede, ela abriu o guarda roupa e viu o fundo falso, derepente percebeu que haviam cadernos, e eles poderiam conter informações interessantes sobre o Espólio. Finalmente algo com que se empolgar e afastar todo esse medo.
Os cadernos continham números, contas chatas que tentava decifrar, alguns nomes, pareciam planilhas de contabilidade porcamente começadas e não terminadas. Talvez coisas legais fossem proibidas na cidade.
Ela recostou na poltrona velha, e quase pegou no sono quando ouviu mais um barulho estranho, era um rádio, que ligou sozinho. Outro aperto no peito ao ouvir as palavras:
                - Vou te levar para o inferno. Vou escrever um livro com seu sangue.
Uma música terrível e assustadora no seu computador. Milena não encontrava seu revolver. A sensação não era mais medo e sim, pânico.
                O que fazer nessa situação? Ao entrar na cozinha e encontrar uma galinha degolada e a frase.  “Dia de Matar galinhas” “Não mexa no que não é seu” era um bilhete na gaveta onde ficavam as facas, ela olhou pela varanda. A noite e a mata fechada não permitiam que se enxergasse nada e a luz da sua lanterna produzia um estreito e insuficiente caminho de luz.
Ela não podia ficar na casa, pois certamente havia algo muito errado, e não havia nada com que pudesse se defender, não havia sinal de celular e nem para a policia conseguiu ligar. Não havia outra opção, Milena correu desesperadamente em direção a estrada negra, havia vegetação de ambos os lados e no meio do pânico Milena ouviu o latido dos cachorros, dois cães negros apareceram na sua frente, talvez dobermanns, desta vez ela precisou dar meia volta e correr para casa, por mais rápido que corresse, a impressão que tinha era que a casa nunca chegava.
“De onde vieram esses cães?” Milena pensava e não conseguia deixar de notar a expressão demoníaca e furiosa nos animais. A mais ou menos cinco metros da varanda, Milena tropeçou, seu rosto bateu na grama por sorte, porém a lanterna caiu de sua mão e enquanto tentava se levantar sentiu a mordida na perna, mal podia enxergar o cachorro puxando sua perna esquerda, sentiu o sangue escorrer pela perna e se arrastou desesperadamente enquanto o outro cão pulou por cima dela. Ela segurava o rosto do cão a cima dela e arrastava o outro com as mandíbulas presas a sua perna, ela percebeu um tijolo solto próximo a escada da varanda e acertou primeiro a cabeça do cão que estava em cima dela violentamente em seguida o outro cão também foi atingido na costela e se afastou choramingando, Milena se levantou com um terceiro tijolo na mão e mancou até a porta, quando se virou para abrir a porta sentiu outra mordida, desta vez na coxa, o susto a fez errar a tijolada mas o susto fez o cachorro que já havia levado uma tijolada na costela se afastar, neste momento Milena entrou novamente na casa.
Não podia mais controlar a respiração e o soluço, estava sozinha e algo a atormentava. Milena levou as mãos na barriga como quem quisesse proteger a criança, encostou-se na parede e abaixou-se chorando e gritando.
                - Me deixa ir embora!
A perna não parava de sangrar e uma poça se formou embaixo dela.
Ela repetia o pedido paranoicamente, sabendo que não haveria resposta, mas para sua surpresa alguém respondeu, talvez não o que quisesse ouvir.
- Tarde demais galinha!
                Havia alguém na sala, do outro lado, pode perceber a vulto da figura, ela acendeu a luz que não passava de uma lâmpada fraca, era um homem jovem, de sobretudo preto, incrivelmente magro e pálido, olhos azuis arregalados e irritados, vermelhos, ele estava de touca e aparentemente era careca ou tinha pouco cabelo, uma figura suja como a casa.
- Meu Deus! Por favor me deixa ir embora.
- Eu não sou Deus, muito pelo contrário. -Disse a figura estranha rindo.
- Quem é você? O que você quer?
                -Eu que te pergunto. O que você quer?
- Eu só preciso escrever sobre a casa do Espólio. Juro que não tenho nada aqui, pode ficar com meu notebook, com dinheiro.
- Casa do Espólio! A Figura disse arregalando os olhos.
- Muito prazer galinha, eu sou o Espólio, você está na minha casa.
 O pânico foi tão forte que Milena sentiu uma vertigem, a figura a pegou e a colocou em uma cadeira.
- Que ideia é essa, galinha? Quem te convidou para entrar na minha casa?
                - Eu pensei que não tinha ninguém, eu vou embora, juro que não falo nada.
Nesse momento o homem agarrou o pescoço de Milena fortemente fazendo-a tossir.
- Não jure para mim.
Milena começou a chorar copiosamente, suas esperanças começavam a desvanecer.
 Milena estava confusa, e a figura a sua frente a fitava estranhamente, ele tremia muito. Ele soltou o pescoço da garota, sentou-se a sua frente e mostrou a arma calibre 22 nas suas mãos.
Tudo era estranho, os cachorros latiam fora da casa.
- Você já viu o demônio, galinha?
                Nesse momento Milena não soube o que responder. Ele repetiu a pergunta. Milena abaixou a cabeça e sentiu o soco no seu rosto, foi outra pessoa que deu, um homem negro, gordo e gigante. Sujo como o Espólio, seu sorriso malicioso olhos vermelhos e corpo todo tatuado.
- Muito prazer. Disse enquanto dava uma risada alta e assustadora.
Neste momento Milena começou a implorar, baixinho como quem pedisse a Deus, e na verdade era isso que ela estava fazendo.
Ela viu o homem grande segurar um cachimbo na boca e revirar os olhos. Nesse momento se deu conta do que acontecia na casa. Quando recebeu o soco no rosto viu que o espolio estremeceu e afastou a mão grande do homem.
- E ai espólio, vai beber o sangue da galinha ou vai fazer algo melhor antes?
                - Ela já está sangrando.
                - hummmm galinha ao molho pardo.
O homem pegou Milena e a pôs desajeitadamente em cima da mesa. Mas o espólio interviu.
- Tira a mão dela cara.
-Do que você está falando.
- Ela é igualzinha minha mãe.
- Tá com dozinha? Disse o homem gordo avançando ameaçadoramente para cima do Espólio. Após a discussão três tiros são disparados. O gordo caiu imediatamente.
Milena estava em choque, mas percebeu o que aconteceu.
- Você vai me deixar ir embora? Teve a coragem de perguntar.
Ele não respondeu, e estava armado.
- Você parece muito com minha mãe, ela é repórter.
Ao perceber que o Espólio estava sensibilizado e provavelmente não fosse realmente o Espólio achou que melhor seria escutar o desabafo.
- Eu também sou repórter, trabalhei uns anos na Revista Style.
- Tsc. A mesma que minha mãe trabalha.
Nesse momento Milena julgou que o homem estivesse delirando, a revista americana pagava um salário milionário, a mãe dele certamente não trabalhava na revista.
- O nome dela é Keyla.
Milena não pode acreditar, esse era o nome de uma das mais respeitadas colunistas da revista, trabalhava lá a mais de 20 anos e ele a descreveu corretamente, mostrou no guarda roupa uma coleção de revistas rasgadas que ele colecionava.
- Mas como? Como você veio parar aqui? -Milena perguntou.
Boa parte da tensão havia ido embora, agora sentia pena do rapaz, a angústia não era pelo medo do que iria acontecer, mas da situação deplorável em que o Espólio se encontrava.
- Eu não me lembro de tê-la visto, quando eu nasci ela não cuidou de mim, não sei quem é meu pai, quando era criança tive muitas babas, até que uma delas uma, menina nova, me ofereceu cocaína, eu tinha 10 anos, Milena. Eu desapareci no mundo quando tinha 15, ninguém me achou até hoje. Eu estou nessa vida. Essa casa aqui, no meio do nada, vem muita gente aqui para usar pedra, você não devia ter vindo pra cá.
Agora o Espólio chorava, e parecia muito mais racional.
- Quando eu te vi, lembrei das fotos da minha mãe na revista, lembrei de tudo que eu desejei, não posso destruir você.
- Você ainda pode dar a volta rapaz, eu posso te ajudar.
- Não, minha vida já era, eu não consigo deixar de usar essa pedra.
- Se você aparecer todos vão te ajudar.
- Os caras vão me internar, eu tentei aparecer a um tempo, mas a imprensa fez de tudo para abafar, se pudessem teriam me matado.
- Então eu te ajudo. Não é justo com ninguém acabar assim.
- Você não pode salvar o Espólio da morte moça, tarde de mais, a morte já pegou ele.
Ela notou que ele não a chamou de galinha.

-Pare com isso, eu posso sim te ajudar você ainda está vivo, aqui na minha frente.
- Não, eu sou espólio há oito anos, quando descobri que estava com AIDS.
Não havia mais o que ser dito. Ela notou que a pele incrivelmente pálida e o corpo cadavérico podia não ser exclusivamente por causa da droga. Milena deixou de ter medo e passou até ter carinho pelo rapaz, ele salvou sua vida e estava la desabafando.
- Eu ainda posso providenciar para que seus últimos momentos sejam mais confortáveis ao menos.
- Você já providenciou moça. Essa conversa, esse desabafo que eu fiz, eu nunca tive a oportunidade de fazer, fazia para a foto da minha mãe na revista. Mas conversar com você foi muito melhor, foi como se eu conversasse com minha mãe. Agora eu já sei como que é. Eu tenho que te agradecer.
- Você podia me levar até o hospital.
-Claro.
Eles foram pela estrada conversando. Agora ela confiava nele e ao chegar lá houve a despedida.
- Muito obrigado por tudo moça.
- Eu que te agradeço, a gente ainda vai se ver.
- Infelizmente não moça.
O rapaz disse tirando a pistola calibre 22 do bolso levou a boca e disparou. As pessoas no hospital viram o que aconteceu e correram para socorrer.
Milena escreveu a matéria mais bombástica de sua carreira. A mãe do Danilo Rocinni o nome do Espólio teve a imagem jogada no lixo. E mais que isso. Milena percebeu, que tinha tomado a decisão correta. Uma carreira promissora, independência, luxo, salário alto, quanta sujeira está por trás das coisas que atraem a ganancia do ser humano. Nós temos que trabalhar e construir muitas coisas mas as vezes esquecemos de amar o nosso próximo, ou mesmo de ensinar nossos filhos a amar o próximo. Essa sim é a essência da felicidade.
 
                                                                                                         Por Caroline Gomes dos Santos